NOTA – Serviço Público prestado com exclusividade em regime de privilégio postal – Empresa Pública-Demissão Motivada-PDI

 

Circula nas mídias sociais um “parecer” inacabado e apócrifo atribuído ao departamento jurídico dos Correios tratando da possibilidade de demissão motivada de empregados da empresa por questões de déficit financeiro.

Antes de analisar o teor do referido documento é necessário tecer algumas distinções entre demissão por justa causa e demissão sem justa causa para empregados públicos.

Uma demissão por justa causa na empresa pública pode ocorrer quando há comprovação, após o tramite de processo administrativo na forma da Lei 9.784/99, onde se garanta a ampla defesa e o contraditório de que o empregado cometeu falta grave punível com rescisão contratual. A demissão por justa causa, como se sabe, ocorre também da empresa privada, porém lá não é necessário processo administrativo como na empresa pública.

Já uma demissão sem justa causa, em empresas particulares, ocorre quando o empregador simplesmente  decide demitir e, por ser empresa privada, não precisa dizer os motivos desde que pague as verbas rescisórias e a multa do FGTS. No caso dos Correios não pode ocorrer demissão “só porque o gestor decidiu demitir”, porque na ECT o que vale não é  a vontade do gestor, mas o interesse público.

Mas nós sabemos que nem sempre foi assim. Na ECT são fartas as histórias de trabalhadores demitidos sem justa causa e sem motivação só porque o gestor assim decidiu, especialmente nas décadas de 80, 90 e meados dos anos 2000. Os anistiados são testemunhas deste tempo terrível de perseguições e desmandos. Mas isso mudou. Após anos de questionamentos dos jurídicos dos sindicatos  deste modelo autoritário e abusivo de rescisão contratual na empresa pública, em 2007 o TST alterou seu entendimento para determinar que a ECT motivasse os atos demissionais, ainda que sem justa causa. Confira: 

Orientação Jurisprudencial 247 do TST, II:

SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE  II A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais.

Portanto, tem-se que é possível ocorrer demissões sem justa causa no âmbito da ECT, desde que haja uma motivação que seja verdadeira (fartamente comprovada por documentos), que indique um interesse público( e não mera vontade do gestor)e, em caso de rescisões coletivas, somente após negociação sindical e ainda assim somente depois de amplamente demonstrado que a empresa pública esgotou (não apenas tomou uma ou outra medida, mas todas elas) as outras opções possíveis e conhecidas dentro da ciência administrativa que permitiriam equacionar os problemas financeiros.

E mais, é necessário entender que quando tratamos da ECT não estamos falando de uma empresa pública qualquer, mas da empresa pública que segundo a Constituição Federal tem a responsabilidade de manter o serviço postal e o correio aéreo nacional(art. 21, inciso x), com exclusividade em situação de privilégio, sendo que é forçoso concluir que se a Carta Magna tirou da iniciativa privada determinada atividade fora por reconhecer nela relevância suficiente a atrair a noção de serviço público.

Assim, se a CF destaca o serviço postal do âmbito de atuação da iniciativa privada ou em relação ao conceito de atividade econômica em sentido estrito é com vistas a garantia da universalidade e eficiência do serviço, que por ser público, não tem como objetivo primário o lucro, devendo ser garantida a sua prestação mesmo em circunstâncias deficitárias.

O STF já se manifestou no sentido de que a ECT, no que se refere à atividade postal, presta serviço público em regime de privilégio e não atividade econômica em sentido estrito(ADPF 46/DF). Desta forma, tem-se que não é apenas debaixo da análise da questão de ter lucro ou não que se deve decidir a gestão de pessoas da ECT, e em razão disto sair reduzindo indiscriminadamente o quantitativo de mão-de-obra se tal decisão prejudicar a prestação do serviço público imposto pela CF aos Correios.

Só por esta análise já se vê que não é assim um procedimento tão simples e que a empresa não pode “sair demitindo” caso a quantidade de empregados que aderirem ao PDI não atinja o esperado pela ECT, como quer fazer crer o Presidente nas suas entrevistas. E o “parecer” atribuído ao DEJUR não subsidia o Presidente nesta tentativa de intimidar os trabalhadores.

O “parecer” do Dejur tão somente confirma a necessidade de motivação verdadeira, demonstrada por meio de um procedimento formal, onde seja possível o controle quanto à impessoalidade e isonomia e que as demissões coletivas por questões financeiras somente serão possíveis após esgotadas todas as outras providencias para equacionar o déficit e ainda assim, mediante negociação com as entidades sindicais, sendo todos estes atos sujeitos ao crivo da revisão judicial, podendo ser anulados caso não obedecem os critérios estabelecidos tanto na lei como na  jurisprudência consolidada do TST à luz da decisão do STF no RE 589.998.

Isto porque, recentemente o STF, em decisão histórica, RECURSO EXTRAORDINÁRIO 589.998, decidiu que, apesar de não possuírem estabilidade, a demissão de empregados de sociedade de economia mista deve ser motivada, em razão dos princípios da impessoalidade e da isonomia.

Com efeito, entendo que  o dever de motivar o ato de despedida  de  empregados  estatais,  admitidos  por  concurso, aplica-se não apenas à ECT, mas a todas as empresas públicas e sociedades  de economia mista que prestam serviços públicos, porquanto,   conforme   diversos   julgados   desta   Corte,   v.g.   ADI 1.642/MG,   Rel.   Min.   Eros   Grau4,   não   estão   alcançadas   pelas disposições do art. 173, § 1º, da Constituição Federal. Grifos de agora

Neste sentido, é possível transcrever a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, o qual esclarece que em “algumas hipóteses de atos vinculados, isto é, naqueles em que há aplicação quase automática da lei, por não existir campo para interferência de juízos subjetivos do administrador, a simples menção do fato e da regra de Direito aplicada pode ser suficiente, por estar implícita a motivação”; enquanto naqueles onde exista discricionariedade administrativa ou em que a prática do ato vinculado depende de apurada apreciação e sopesamento dos fatos e das regras jurídicas em causa, é imprescindível motivação detalhada[1]

Cretella Júnior[2] faz importantes anotações sobre o tema e define que ato motivado, em direito, é aquele cuja parte dispositiva é precedida de exposição de razões ou fundamentos que justificam a decisão, quanto aos efeitos jurídicos. O autor ainda sustenta que é mister que os motivos sejam expostos de maneira concreta, precisa e clara não sendo suficiente uma vaga referência. “Expressões genéricas como “melhor serviço”, “altos fins”, “interesse do povo”, “conveniência geral” não servem para motivar o ato, configurando mera logomaquia”.

A Lei nº 9.784 de 1999 que também não pode ser desprezada nas rescisões sem justa causa na empresa pública estabelece em seu artigo 50 as situações em que os atos deverão necessariamente ser motivados:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

 No caso em comento, a ECT busca dar legalidade a possíveis demissões em massa por motivação financeira. Mas é necessário frisar que tal motivação tem que ser comprovada, não apenas alegada. A motivação deve ser atual, relevante, pública, provada e como último recurso da empresa para demitir.

Mas é necessário fazermos aqui uma crítica: ainda que se procedam tais demissões, quais critérios serão utilizados pela empresa para escolher quem vai demitir? É aqui que podem ser feridos os princípios da impessoalidade e da isonomia. É aqui que podem ser questionados na justiça as demissões por perseguição.

Toda decisão é passível de ser questionada pelo Poder Judiciário e assim, como afirma a própria empresa em seu “parecer”:

“Ademais, tendo em vista uma construção jurisprudencial, até que se tenha uma decisão final do TST, ou do próprio STF, para a dispensa em massa será necessária prévia negociação coletiva, para fins de se evitar questionamentos do Poder Judiciário”.

Em suma, verifica-se que a matéria é de relevante interesse dos empregados, não se tratando de matéria apenas jurídica, mas também política. Por isso, orientamos pela necessária e inexorável união dos trabalhadores para uma grande mobilização a fim de reverter o quadro que vem se agravando e testificamos que terão o apoio jurídico necessário para questionar na Justiça eventuais decisões ilegais efetuadas por motivações não comprovadas e por critérios que firam a impessoalidade e a isonomia.

Derradeiramente destacamos que veicular entrevistas na mídia nacional com intenção de causar pânico nos trabalhadores e assim conduzi-los, debaixo de coação psicológica a aceitar uma demissão incentivada somente tem o condão de tornar nula  a adesão ao PDI, como deixa induvidoso a ampla e consolidada jurisprudência sobre o tema.

Sabemos que o PDI é um instrumento legítimo de adequação de quantidade de mão-de obra na empresa, mas a decisão pela adesão é individual e subjetiva, sendo que cada trabalhador deve analisá-lo dentro do seu contexto profissional e pessoal e jamais ser pressionado pelo empregador, que ao assim fazer macula de vício insanável todo o processo.

Portanto,  não se afasta a possibilidade jurídica de demissão sem justa causa na empresa pública com motivação, uma vez que o empregado público não possui a estabilidade do artigo 41 da Constituição Federal segundo o entendimento atual do STF, mas exige-se o seu adequado uso, sempre debaixo de rigorosos critérios, e levando sempre em consideração que, na forma da CF, compete à União  manter o serviço postal e o correio aéreo nacional. 

                            Nota do SINTECT/GO com texto dos advogados que compõe o grupo técnico Paralelos-Assessoria Jurídica



[1] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio; Curso de Direito Administrativo, 21ª edição; São Paulo; Malheiros; 2006; pág.: 108.

[2] CRETELLA JÙNIOR, José. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 277.

 

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Última Atualização: 1 de fevereiro de 2018 às 18:05